Insights compartilhados pelo teólogo croata Miroslav Volf em “Uma fé pública: como o cristão pode contribuir para o bem comum”
A seguir, você lerá um trecho do livro Uma fé pública: como o cristão pode contribuir para o bem comum, escrito por Miroslav Volf. Na obra, o renomado teólogo croata sistematiza as questões que afetam a presença cristã num mundo cada vez mais secularizado. Tendo como alvo a participação dos cristãos para o bem comum, Volf conduz o leitor a um rico debate sobre as implicações da tolerância e da liberdade religiosa no ambiente polarizado de nossos dias, e aponta para a busca de relevância e diálogo no cenário excessivamente conturbado das sociedades contemporâneas.
Recomendamos também a leitura do artigo “O que é sabedoria?”, reflexão que antecede e complementa o texto a seguir.
Ao final do artigo, você encontrará um link para a compra do livro.
Boa leitura!
Por que compartilhar a sabedoria?
Trecho de Uma fé pública, livro escrito por Miroslav Volf
Quais são as razões mais importantes para compartilhar a sabedoria?
Primeiro, os cristãos têm uma obrigação para compartilhá-la. Depois de sua morte e ressurreição, Jesus disse aos seus discípulos: “Assim como o Pai me enviou, eu os envio” (Jo 20.21) — com a missão de anunciar a boa-nova, e, numa esfera mais ampla, compartilhar a sabedoria de Deus com o mundo. Os cristãos compartilham a sabedoria porque Jesus Cristo os mandou fazer isso.,
Segundo, a obrigação de compartilhar sabedoria é uma expressão de amor ao próximo. Assim como o envio de Jesus pelo Pai se enraizava no amor de Deus ao mundo (Jo 3.16), também a missão cristã tem suas raízes no amor aos nossos semelhantes seres humanos — ou pelo menos deveria ter. Os cristãos compartilham a sabedoria visando ajudar pessoas necessitadas a encontrar significado da vida ou a resolver conflitos; visando apresentar razões para alimentar quem tem fome e vestir os nus; e visando impedir que outras pessoas definhem ou até mesmo pereçam em consequência de uma vida em desacordo com o modo como Deus nos criou para viver.
Em última análise, todavia, os cristãos não compartilham a sabedoria simplesmente por obediência a uma ordem, nem pelo simples amor ao próximo. Na realidade eles a compartilham — ou pelo menos deveriam compartilhá-la — principalmente porque a sabedoria que neles habita procura se comunicar a outros por intermédio deles. Como se expressa o apóstolo Paulo, o “amor de Cristo nos constrange” (2Co 5.14).
Essas motivações religiosas para compartilhar a sabedoria combinam com o caráter da fé cristã. Como observei anteriormente, junto com algumas outras importantes religiões do mundo, o cristianismo é uma fé monoteísta de caráter profético.
Vejamos primeiro a importância do monoteísmo para o compartilhamento da sabedoria. Quando se trata da relação de Deus com o mundo, há uma estreita correlação entre o “Único” divino e o “todo” mundano. Sendo Deus “Único”, Deus é o Deus de toda a realidade. Embora sendo sempre concreta e estando em sintonia com situações específicas, a sabedoria do Deus único é a sabedoria para toda a humanidade, não apenas para uma fração dela. Ela deve, portanto, ser compartilhada com todos.
O impulso para o compartilhamento gerado pelo monoteísmo é reforçado pelo caráter profético da fé cristã. Como explico no capítulo 1, as religiões do tipo profético se estruturam a partir de dois movimentos básicos: ascensão para o reino divino (encontro com Deus, profundo estudo das Escrituras e coisas afins) e retorno com uma mensagem para o mundo — um movimento duplo bem ilustrado pelo relato dos Evangelhos, segundo os quais Jesus começou seu ministério público após jejuar no deserto.
Na ascensão, as pessoas religiosas adquirem a sabedoria e são transformadas; no retorno, elas compartilham a sabedoria com seus seres humanos semelhantes a fim de transformar o mundo. A ascensão não acontece simplesmente para que o indivíduo se beneficie do encontro com Deus (como nas religiões místicas); acontece também visando ao propósito do retorno, para que o mundo seja consertado e adquira uma conformidade maior com o projeto que Deus lhe atribuiu.
Os cristãos têm fortes razões para compartilhar a sabedoria religiosa com outros. E, de modo geral, no decurso da história eles não se furtaram de fazê-lo (embora em alguns períodos seu impulso missionário intercultural tenha sido reprimido, como no caso dos protestantes desde o princípio em 1517 até por volta de 1794, quando William Carey deu início ao movimento missionário protestante moderno).
Há situações, porém, em que pode ser insensato compartilhar a sabedoria religiosa. No Sermão do Monte, Jesus Cristo faz a conhecida e veemente advertência: “Não deem o que é sagrado aos cães, nem atirem suas pérolas aos porcos; caso contrário, estes as pisarão e, aqueles, voltando-se contra vocês, os despedaçarão” (Mt 7.6).
Essas severas palavras são um lembrete de que as relações entre as religiões às vezes são muito tensas, até violentas. Em tais circunstâncias — por exemplo, em casos de perseguição religiosa, que tem sido histórica e geograficamente muito comum e em certos lugares continua intensa hoje em dia — o compartilhamento da sabedoria pode provocar incompreensão agressiva bem como mais violência.
Às vezes a sabedoria aconselha seu não compartilhamento. Em outras ocasiões, apesar do rigor da oposição, a corajosa sabedoria clamará pedindo para ser ouvida simplesmente para denunciar a loucura dos oponentes.
Cristianismo, vida pública, pluralismo religioso e aversão à fé. Como viver e manifestar o amor de Cristo nesse turbulento cenário? Saiba mais sobre o assunto em Uma fé pública: Como o cristão pode contribuir para o bem comum.
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