Uma reflexão escrita por Miroslav Volf em “Uma fé pública: como o cristão pode contribuir para o bem comum
A seguir, você lerá um trecho do livro Uma fé pública: como o cristão pode contribuir para o bem comum, escrito por Miroslav Volf. Na obra, o renomado teólogo croata sistematiza as questões que afetam a presença cristã num mundo cada vez mais secularizado. Tendo como alvo a participação dos cristãos para o bem comum, Volf conduz o leitor a um rico debate sobre as implicações da tolerância e da liberdade religiosa no ambiente polarizado de nossos dias, e aponta para a busca de relevância e diálogo no cenário excessivamente conturbado das sociedades contemporâneas.
Ao final do artigo, você encontrará um link para a compra do livro e para o nosso bate-papo com o autor.
Boa leitura!
O que é sabedoria?
Trecho de Uma fé pública, livro escrito por Miroslav Volf
Os cristãos tradicionalmente entenderam sua fé não como um adereço de sua vida, mas como algo que por si só constitui um estilo integrado de vida. De forma correspondente, a sabedoria cristã em certo sentido é a fé em si mesma, ou seja, uma interpretação totalmente abrangente da realidade, um conjunto de convicções, atitudes e práticas que orientam as pessoas no seu modo de viver bem.
Aqui, “viver bem” significa viver como Deus criou os seres humanos para viver, em vez de viver na direção oposta de sua própria realidade e da realidade do mundo. A sabedoria nesse sentido é um estilo de vida integrado que possibilita a prosperidade de pessoas, comunidades e de toda a criação […]. Sábios são os seres humanos que seguem esse caminho.
Os cristãos também entenderam a sabedoria como algo muito mais específico do que todo um estilo de vida, a saber, como conselhos sobre a forma de prosperar. Quando lemos em Provérbios: “O tolo não tem prazer no entendimento, mas sim em expor os seus pensamentos” (18.2), ou quando Jesus diz: “Deem, e lhes será dado” (Lc 6.38), ou quando o apóstolo Paulo diz: “Não andem ansiosos por coisa alguma” (Fp 4.6), ou quando lemos na carta aos Efésios: “Sejam bondosos e compassivos uns para com os outros, perdoando-se mutuamente, assim como Deus os perdoou em Cristo” (4.32), nós somos presenteados com sábios conselhos, com aquilo que poderíamos chamar de “pérolas” de sabedoria.
Bem entendidas, essas pérolas são componentes de sabedoria como um estilo de vida. Segundo esse sentido de sabedoria, sábios são os seres humanos que seguem conselhos sábios.
Há, no entanto, uma terceira e mais fundamental maneira pela qual os cristãos entendem a sabedoria: surpreendentemente a sabedoria é uma pessoa. No livro de Provérbios, a sabedoria é personificada. Ela é o exato princípio da criação de Deus, e ela convoca os seres humanos a ouvi-la e a prosperar pela obediência a ela (Pv 8). Os cristãos tomaram essa “senhora sabedoria” como sendo a Palavra de Deus encarnada, Jesus Cristo (Jo 1.1-14).
O apóstolo Paulo também escreve que Jesus Cristo “se tornou sabedoria de Deus para nós” (1Co 1.30). Sábios são aqui os seres humanos que seguem Jesus Cristo e, o que é ainda mais fundamental, que permitem que a sabedoria personificada habite neles, conformando-os consigo e agindo por meio deles (Gl 2.20).
Em todos esses sentidos que acabo de descrever, a sabedoria não é uma questão de gosto ou preferência pessoal (“Isso me parece sábio, por enquanto!”), como muitas vezes é a sabedoria para gente de dinâmicas e sempre cambiantes sociedades contemporâneas. A fé tampouco é um distintivo da identidade de um grupo, uma espécie de prática habitual beneficente (“Isso para nós é sabedoria, embora não seja necessariamente para você”), como poderia ser para algumas culturas ou religiões mais étnicas.
Para os cristãos, a sabedoria é uma espécie de verdade peculiar que diz respeito a todo mundo — e diz respeito a todos da maneira mais profunda. Diz respeito a todos como seres humanos, não como membros deste ou daquele grupo ou como cumpridores de certas tarefas ou perseguidores de certos objetivos. Rejeitar a sabedoria como um estilo de vida, ou Cristo como a encarnação da sabedoria, não é como deixar a sobremesa intacta depois de uma boa refeição; é antes como recusar o próprio alimento sem o qual os seres humanos não podem verdadeiramente prosperar.
Essa alegação cristã é obviamente controversa. Ainda que não seja uma declaração negativa acerca de qualquer religião ou visão de mundo, é uma alegação de que a fé cristã tem a chave do sucesso dos seres humanos não neste ou naquele empreendimento, mas na sua condição de seres humanos. No entanto, o aspecto do cristianismo que um muçulmano, por exemplo, poderia questionar não é a afirmação de que a sabedoria de uma religião específica é considerada indispensável, mas que essa alegação se aplica à fé cristã e não ao islamismo.
Por mais controverso que isso seja, a maioria dos cristãos considera essa alegação necessária. O monoteísmo judaico introduziu a ideia da verdade no mundo das religiões ocidentais. O cristianismo herdou essa ideia e a radicalizou: a sabedoria da fé está indissoluvelmente vinculada à verdade universal da fé; embora maleável e receptiva em relação à mudança dos tempos e das circunstâncias, essa sabedoria é válida para todos os povos de todos os tempos. […].
Volf, Miroslav. Uma fé pública: como o cristão pode contribuir para o bem comum — 1. ed. — São Paulo: Mundo Cristão,2018. Págs. 125 a 128, adaptado para publicação no blogue MC.
Cristianismo, vida pública, pluralismo religioso e aversão à fé. Como viver e manifestar o amor de Cristo nesse turbulento cenário? Saiba mais sobre o assunto em Uma fé pública: Como o cristão pode contribuir para o bem comum.
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