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Igreja e engajamento social: as dores e as alegrias da ação humanitária

Confira a segunda parte da entrevista exclusiva com Antônio Carlos Costa, fundador da ONG Rio de Paz

Para ler a primeira parte do bate-papo com Antônio Carlos Costaclique aqui.

Mundo Cristão: De que forma o cristão que pretende engajar-se em ações de socorro aos necessitados e busca de justiça social pode se preparar para atuar ou criar iniciativas com essa finalidade?

Antônio Carlos Costa: Tudo deve começar pela pregação do Evangelho, porque a igreja só estará em boa condição para desenvolver seu papel social quando ela estiver composta por verdadeiros convertidos e por pessoas que conheçam a sua fé.

É muito importante que o pastor mantenha a igreja espiritualmente nutrida, não tentando fazer o papel de articulista ou de cientista político. A tarefa dele no domingo é pregar as Sagradas Escrituras e não falar de economia, sistemas de governo ou coisas do gênero.

É de vital importância que os pastores e os membros procurem se preparar intelectualmente: ler jornal, ter contato com os clássicos da literatura e livros contemporâneos que tratem de direitos humanos, ciência política e sociologia.

É fundamental ter contato com a cidade em que pretende atuar, estar com pessoas, sair da redoma da igreja e ir onde os pobres estão. É bom que o interessado nesse tipo de atividade se reúna com especialistas nos temas que envolvem a ação humanitária e filantrópica para aprender e debater; não dá para avançar sem estar munido de boa informação.

A luta por melhores condições de vida e combate à injustiça nem sempre é fácil. Quais são as principais dificuldades encontradas por aqueles que colocam a mão na massa?

As dificuldades são muitas, já que temos de lidar com barreiras erigidas por grupos que têm determinados interesses. Qualquer medida que tomemos para promover a justiça nesse país vai desagradar indivíduos que lucram com a injustiça. Infelizmente, tudo é lento e difícil em nosso ambiente político, porque o sistema está totalmente contaminado pela iniquidade.

Além disso, hoje, por exemplo, quase ninguém tem tempo para viver. É comum encontrar pessoas que se dedicam quase exclusivamente ao trabalho e ao trânsito, sem disponibilidade para o exercício da cidadania. A falta de compromisso é outro problema. Muitos se oferecem ao voluntariado, mas desistem quando precisam encarar a realidade das favelas, enfrentar perseguição por causa da justiça ou correr risco de vida.

Também precisamos enfrentar a falta de recursos financeiros. Como não temos uma cultura que fomente esse tipo de engajamento e militância em nosso país, especialmente no meio evangélico, não recebemos verba pública, por essa razão trabalhamos em meio a muita escassez de recursos. Por último, o individualismo, o foco que mantemos em nós mesmos, em nossa felicidade pessoal, característica inata à natureza humana e que, especialmente em nos dias atuais, é adubada pelo contexto cultural.

Hoje, o mundo ocidental é um mundo muito individualista. É comum encontrar um garoto na faixa dos 20 e 25 anos focado unicamente em ter uma profissão e ganhar dinheiro, muitas vezes indiferente e alheio ao seu entorno.

Mas a caminhada também é permeada de satisfação e contentamento, certo? De que forma isso acontece?

É difícil até de enumerar. Em primeiro lugar, é gratificante sentir que estamos vivendo o Evangelho em suas dimensões lógica e prática. Segundo, a formação de contatos evangelísticos com indivíduos que passam a ouvi-lo e a respeitá-lo, por vê-lo lutando pelo direito de todos.

Em geral, as pessoas têm muito respeito por quem está envolvido com causas sociais, especialmente quando o faz a um custo pessoal alto. Por último, a possibilidade de presenciar a transformação de realidades.

Numa canetada, como resultado da pressão da população, por exemplo, um governante pode mudar o destino de milhões de pessoas. É maravilhoso ver famílias passando a viver melhor por conta das intervenções e lutando ao lado da ação filantrópica.

Qual conselho o senhor daria para aquelas pessoas que leem esta entrevista e se veem desafiadas a fazer algo em resposta ao chamado de Cristo que nos convida a socorrer o pobre e necessitado?

Tenha paciência e perseverança, nada acontece da noite para o dia. Nesse país, não se conquista nada na esfera pública sem muita luta. Saiba que política não é tudo.

Ter o pão na mesa, viver com segurança, ter acesso à educação é importante, mas não podemos nos esquecer de que o homem tem uma alma que é imortal, que tem demandas de natureza espiritual e emocional. Não perca jamais o compromisso com a obra de evangelização do mundo.

Prepare-se intelectualmente, busque experiências de campo; evite falar do que não escutou e do que não viu. Especialize-se no assunto para o qual pretende se dedicar. Faça o que ama e o que desperta sua compaixão – aquele incômodo que faz com que tenha o desejo de socorrer o que sofre.

Perceba que ao lado da paixão é preciso ter aptidão, capacitação e talento. Por fim, cubra tudo com oração e mantenha-se próximo de Jesus, porque o envolvimento com a esfera pública o remeterá para um mundo repleto de tentações. Um cristão não deve ousar entrar nesse campo de batalha sem estar vestido com sua armadura completa.

Uma mensagem final aos leitores

Meu sonho é presenciar, antes da minha partida deste mundo, um avivamento que envolva milhões de crentes cheios pelo Espírito Santo. Um avivamento que leve os cristãos à pregação do Evangelho e à prática de boas obras.

Sonho com uma igreja que não perca o foco evangelístico, que entenda que a meta da evangelização é levar o convertido a obedecer ao que Cristo ensinou. O chamado é para nós fazermos discípulos, e ser discipulo de Cristo significa, entre outras coisas, amar o homem integral e fazer o que estiver ao nosso alcance para diminuir o sofrimento do próximo.

Se o sofrimento pode ser combatido com o pão, que demos o pão. Mas se o pão não é suficiente, se precisamos libertar a pessoa de um sistema de escravidão, que lutemos para que as estruturas do mal sejam corroídas pela ação da igreja. A evangelização é a missão número um da igreja.

Quando estamos desenvolvendo a obra para a qual o Senhor nos comissionou, temos de responder à seguinte pergunta: qual é o produto final dessa evangelização? Eu creio que lá na ponta tem de sair uma pessoa que ama o próximo. E esse amor vai levá-la à filantropia, às obras de desenvolvimento humano, à ação política e à pregação do Evangelho. 

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