Veja a terceira parte da entrevista com Gustavo Assi, secretário executivo da Associação Brasileira de Cristãos na Ciência – ABC², e esclareça a questão
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Mundo Cristão: Fé cristã e ciência combinam? De que forma o diálogo se torna possível?
Gustavo Assi: O diálogo entre fé cristã e ciência só se torna possível se for feito por cristãos comprometidos com Deus, porque eles têm na fé em Cristo Jesus o sincero interesse na verdadeira ciência.
O cristão tem de ter zelo por sua fé, tem de saber argumentar, dar razão para a sua crença, estudar a Palavra e se instruir, encher-se do Espírito Santo e viver uma vida santa e digna do Evangelho a que foi chamado.
Ao mesmo tempo, o cristão que se envereda pelo campo científico tem de fazer boa ciência, revelando as verdades do mundo natural, testando seus modelos, aplicando o método científico corretamente, sendo avaliado e julgado pelos seus pares na comunidade científica, para que a boa ciência se sustente.
Ele tem de ser um bom cristão no exercício de sua fé e um bom cientista no exercício de sua ciência. Ele não pode fazer pseudociência, ou seja, fazer ciência que somente dê suporte aos seus pontos de fé, tampouco pode ter uma pseudofé, uma fé cambaleante, e só acreditar naquilo que está de acordo com a sua visão científica do mundo. Isso sim é incompatível.
Alguém pode dizer: “Então é impossível haver um cristão cientista verdadeiro, porque ele vai encontrar pontos de discordância entre as ideias”. Eu digo que é possível haver um cristão cientista verdadeiro sim, porque nós vivemos, de certo modo, na certeza de que nós não conhecemos todas as coisas profundamente, seja no campo da ciência ou no da fé.
Por mais que encontremos alguns pontos sobre os quais não temos total compreensão e achamos que eles sejam contradições entre os dois campos, temos condições de viver uma fé verdadeira e fazer a boa ciência, apesar de não conseguirmos solucionar todas as dúvidas. O importante é não abrirmos mão do rigor e da excelência em nenhum dos dois lados.
Um cristão na ciência, naturalmente, vai dizer que fé cristã e ciência combinam. Por que dirá isso? Porque um cristão vai enxergar com sinceridade, sem crise de consciência, que tanto as Escrituras quanto o mundo natural são revelações do mesmo Deus.
Existe uma analogia interessante e antiga que diz que Deus se revela através de dois livros, um livro que é sua “revelação especial”, as Escrituras Sagradas, e um livro que é a sua “revelação geral”, que se chama natureza ou mundo criado.
Ora, o homem, de certo modo e com certas limitações, consegue descobrir coisas de Deus à medida que faz a leitura tanto da Palavra quanto da natureza.
Fazer a leitura da Palavra é o que nós chamamos de teologia, não deixa de ser um empreendimento humano; é o homem desenvolvendo seu conhecimento enquanto ciência teológica, para aprender a ler cada vez mais e melhor a Palavra ou o “livro da revelação especial”. E nós fazemos isso desde que a Palavra nos foi dada.
A nossa teologia vem sendo construída sempre com base no entendimento que obtivemos das Escrituras no passado. E olha que interessante: isso nos dá prazer! O fato de Deus ter se revelado assim e de ter nos dado capacidade de compreendê-lo através das Escrituras dá ao homem um prazer, uma satisfação, porque nisto vemos o homem se conectando ao seu Criador.
É um movimento de Deus se revelando ao homem, portanto, tem origem no Senhor, no Deus Criador de todas as coisas. A teologia, assim, é uma resposta ao chamado de Deus para que o homem o conheça através da leitura de sua Palavra.
Claro que a leitura da Bíblia requer iluminação do Espírito Santo, porque, apesar de termos acesso ao texto, a transformação daquela simples leitura em fé, ou seja, acreditar que aquilo é verdade, depende da iluminação do Espírito Santo. Todos nós sabemos que se um dia cremos que Jesus é o Salvador foi por causa da revelação especial de Deus através da Bíblia, através do ministério da Igreja e por obra e ação do Espírito Santo.
Se nós entendemos que existe um segundo livro, e esse livro é chamado de “revelação geral” ou “livro da natureza” e que Deus se revela de alguma forma através dele, conforme diz Salmos 19.1 e Romanos 1.20, entendemos que a ciência nos permite conhecer mais sobre o Deus Criador, e isso também traz satisfação ao coração do cristão.
Quando Deus criou o homem e lhe deu um mandato para cultivar o cosmos, ali estava sendo dado o mandato cultural no amplo sentido, que inclui governar e também compreender o mundo criado. Isso é reflexo da imagem de Deus em nós. Deus, o Criador, fez o homem também como governante com capacidade criativa e até criadora.
E nós fazemos criação a todo instante quando, por exemplo, fazemos tecnologia. Nós espelhamos, então, a imagem de Deus e os seus atributos criativos em certa medida nas nossas ações criadoras.
Ler o “livro da natureza” ou entender como a natureza funciona é o que nós chamamos de fazer ciência. É um empreendimento humano, assim como o empreendimento da teologia, mas a ciência é um empreendimento feito no campo da “revelação geral” ou do mundo natural, que também é capaz de revelar verdades que pertencem ao Senhor.
Quando eu jogo uma maçã para cima e ela cai no chão, tal ação me revela uma consistência de fenômenos que hoje chamamos de “Teoria da Gravitação Universal”, que nos revela alguma coisa do Criador. Elaborar essa teoria científica é reconhecer que Deus criou o mundo com ordem, com leis físicas universais.
É reconhecer que ele nos deu capacidade de entender o mundo. Olha que interessante: Deus fez o mundo inteligível e o ser humano com capacidade de entendê-lo. Somente o ser humano, dentre todas as criaturas, tem condições de entender como o mundo funciona.
Ter conhecimento do mundo natural e ter fé são coisas que Deus quis para o ser humano. Ele o projetou para isso. São bênçãos, são dádivas que nos definem. Se o cristão entende a relação entre fé e ciência dessa forma, é obvio que não vai encontrar problema ou conflito entre fazer ciência e ter fé, porque são duas ações que Deus prescreveu para a humanidade realizar.
Claro que o ser humano não faz ciência de forma infalível e nem faz teologia da forma mais pura, pois vivemos dentro do contexto da queda. Por isso, tanto a ciência quanto a teologia podem apresentar falhas. Além disso, existem limitações intrínsecas ao ser humano, como a impossibilidade de compreender coisas que estão fora do seu entendimento e alcance.
Como a Bíblia diz, os pensamentos do Senhor são elevados demais para que nós os consigamos entender (Sl 139.6). Não é só porque estamos debaixo da maldição do pecado que nós não conseguimos entender a mente de Deus, nós nunca conseguiremos entender a mente de Deus em sua plenitude e completude, porque o Criador é um ser infinito, completamente diferente do ser humano.
Nós somos limitados no espaço e no tempo. Nossa compreensão é limitada, por mais santos que sejamos. Assim, sempre teremos o que investigar nos campos teológico e científico com o intuito de descobrir mais verdades a respeito de Deus, de nós mesmos e a respeito da natureza.
Se o crente entende que tanto a “revelação especial”, a Bíblia, quanto a “revelação geral”, a natureza, são revelações ou livros escritos pelo mesmo autor e que todos estamos aprendendo a lê-los ao longo da história da humanidade – o que inclui inclusive lidar com conflitos de ideias e com as próprias limitações que possuímos –, aceitará que qualquer erro de interpretação ou contradições aparentes estão na categoria do leitor, estão no ato de leitura e de interpretação, e não estão, por pressuposto, no nível do autor.
Não é que Deus escreveu uma revelação especial que contradiz a sua revelação geral. Não é que Deus escreveu uma Bíblia que contradiz o que o mundo natural revela. Porque ambos os livros são revelações do mesmo autor, da mesma fonte, e ele não erra. Deus não faria revelações enganosas, porque esse não é o espírito e o caráter de Deus revelado nas Escrituras. Deus não é enganoso, mas ele é reto e justo.
Fé e ciência combinam sim, se o crente entender que as duas são revelações do mesmo autor, porém revelações com propósitos e acessos diferentes. Em um lado, usa-se um método científico, usa-se aquilo que Deus deu ao homem para investigar o mundo natural. Do outro lado, usa-se a teologia, que exigirá iluminação por parte do Espírito Santo. Como um cristão pode se convencer ou acalmar a sua alma de que elas combinam? Na certeza de que as duas são revelações de um mesmo autor.
Fique por dentro!
Na quarta parte da entrevista, Gustavo Assi fala sobre os limites entre fé e ciência e compartilha insights sobre as características da boa teologia e do bom trabalho científico. Imperdível!
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