Uma reflexão fascinante escrita por Russell Moore em “A família em meio à tormenta: como a cruz redefine o lar”
A seguir, você lerá um trecho de A família em meio à tormenta: como a cruz redefine o lar, livro escrito por Russell Moore, uma das mais prestigiadas vozes da igreja cristã nos Estados Unidos.
Em A família em meio à tormenta, Russell traz uma abordagem inovadora para entender a complexidade da relação familiar. Ao compartilhar fracassos e falhas na experiência do lar, o autor nos lembra de que a graça de Deus desmitifica a família como ideal de perfeição e a coloca em seu devido lugar: uma vivência única marcada pela vulnerabilidade, mas que pode ser redimida pela cruz.
Ao final do trecho que compartilhamos na sequência, você encontrará um link para a compra da obra e também para a nossa resenha do livro. Queremos que você seja edificado com este conteúdo. Boa leitura!
Filhos são bênçãos, não fardos
Por Russell Moore em A família em meio à tormenta
O futuro trazido pelas crianças é de alegria, mas também de sacrifício; de sacrifício, mas também de alegria. Esse é o paradoxo da criação de filhos na era moderna, que certo jornalista chamou de “só alegria, mas nenhuma diversão”, argumentando que a mudança no papel das mães, dos pais e dos filhos significa que os filhos reformulam a vida dos pais de maneiras fundamentais, desde o casamento e a vocação até seus hábitos e passatempos, alterando até o próprio conceito de quem são.
Isso é verdade, e embora possa ser aguçado na maneira atual de criar os filhos, não se limita a ela. Atente para o testemunho bíblico dos pontos altos de realização que o filho pode proporcionar ao pai e a mãe, por exemplo, em Provérbios, e das profundezas da agonia, por exemplo, no lamento de Davi pelo filho Absalão. Boa parte disso acontece porque, enquanto criamos os filhos, não temos condições de saber quais serão os resultados da educação que estamos dando.
Certa vez, um casal me pediu que lhes garantisse que poderiam adotar sem “muitos riscos”. Quando questionei o que queriam dizer com isso em detalhes, o marido explicou que a adoção e a tutela provisória o assustavam porque “não dá para saber quem vai para dentro de sua casa”. Veja bem, sou o primeiro a admitir que adotar traz consigo desafios únicos, e quem resolve se aventurar nessa arena precisa estar preparado. Mas também é verdade que, não importa como a criança entra na família — se por adoção ou reprodução biológica —, “não dá para saber quem vai para dentro de sua casa”.
O filho não é uma réplica de um dos pais, nem uma mistura de réplicas de ambos, como se fosse 60% a mãe e 40% o pai. Cada ser humano é único, singular em dons, pontos fracos, chamados, pecados insistentes, tipo de personalidade e assim por diante. Um dos motivos para os pais às vezes se frustrarem com os filhos é que as crianças não são meras cópias suas, com as mesmas tendências, esperanças, aspirações e interesses.
Jesus nos ensinou sobre família quando acolheu as criancinhas, e continuou a nos ensinar até o Lugar da Caveira. Após sua entrada triunfal em Jerusalém, ele disse a seus discípulos: “Se o grão de trigo não for plantado na terra e não morrer, ficará só. Sua morte, porém, produzirá muitos novos grãos. Quem ama sua vida neste mundo a perderá. Quem odeia sua vida neste mundo a conservará por toda a eternidade” (Jo 12.24-25).
O tempo de sua glória se aproximava, e ele seria levantado para que, assim, viesse a atrair todos para si. “Ele disse isso”, escreveu João, “para indicar como morreria” (Jo 12.33). Ele não atrairia o mundo para si por meio de ensinos ou milagres, mas pelo sacrifício da própria vida. Foi exatamente isso que a cruz fez. Após ressuscitar, Jesus subiu ao Pai e derramou o Espírito, que começou uma operação de busca e resgate para unir pessoas de todas as tribos e nações imagináveis, ao longo dos séculos, juntando todas em uma nova casa, cada um de nós encontrando nova vida no Cristo crucificado.
O amor entre Jesus e sua igreja, consumado na cruz, foi fecundo e se multiplicou. A noiva de Cristo não sabia quem iria dar as caras quando a união consumada na cruz começou a frutificar. Aliás, esse foi o motivo da maioria das brigas e tensões do Novo Testamento. Os cristãos de origem judaica estavam aprendendo a conviver com os gentios recém-chegados, e vice-versa. A cruz significa que o futuro está ligado ao autossacrifício, não à autopreservação.
Quem espera que os filhos compensem qualquer coisa que ele sente ter “perdido” na vida — em termos de educação, carreira ou vitalidade espiritual — está fadado à desilusão. Nossos filhos não precisam ser um “sucesso” de acordo com a definição do mundo. O filho não existe para compensar algum tipo de deficiência real ou imaginária dos pais. Alguns pais idolatram os filhos e encontram seu senso de identidade na vida da criança. Outros pais literalmente abandonam os filhos. Alguns os abandonam para ser moldados pelo grupo de amigos, pelo ambiente cultural ou pelos apetites da própria criança. Nenhum desses é o caminho da cruz.
Os filhos também trazem dificuldades porque nada expõe mais o eu que ter a responsabilidade de conduzir a criança até a idade adulta. Quando adolescente, eu era especialista em criação de filhos. Eu jamais diria isto em voz alta, mas seria capaz de lhe dizer tudo que meus pais — sobretudo meu pai — estavam fazendo errado em minha educação. Eu esperava que ele fosse não só maduro, mas também onisciente e onipotente.
Quando ele cometia erros (em minha opinião), eu achava absurdo. Agora que sou pai, porém, já me peguei dizendo para meus filhos algumas daquelas coisas que eu achava insensato quando meu pai dizia. Hoje, por exemplo, entendo por que ele precisava de vários dias para se recuperar das férias em família. Na época, eu pensava: “Se ele tem esses dias livres, por que não viajamos o tempo inteiro? Por que precisamos voltar para casa para que ele fique dormindo no sofá?”. Hoje eu entendo! O mais importante é que hoje reconheço que a visão infantil do que é ser adulto não é correta.
Com frequência, presumimos que o indivíduo age como adulto porque se sente adulto. Na verdade, a verdade é o contrário. Jamais nos sentimos adultos. Não importa quanto amadureçamos, jamais chegaremos ao ponto de nos sentir confiantes em todas as nossas escolhas e ações. Em muitos aspectos, ainda nos sentimos como crianças assustadas e confusas. No entanto, quando a pessoa se torna pai ou mãe, precisa, de qualquer maneira, tomar decisões e assumir responsabilidades.
Devemos entregar a vida pelos filhos que Deus nos deu. Não podemos fugir nem nos ressentir do tempo, da energia, da maturidade e da responsabilidade financeira exigidos de nós pelas realidades da vida adulta ou da paternidade. Entretanto, não devemos agir como se fôssemos capazes de suportar tudo isso pelo próprio poder, em especial porque, conforme vimos, as crianças costumam nos mostrar quanto somos impotentes.
Os bebês são uma bênção, não um fardo. Sim, os bebês podem impedir a pessoa de cumprir todos os planos de realização pessoal. Deus não quer que sejamos realizados; quer que sejamos abençoados. Existe uma diferença. E as igrejas cheias de gente que tem medo de bebês porque deseja mais liberdade para correr atrás de riqueza e sucesso não serão evangelísticas e centradas no evangelho.
O interesse próprio que destrói a alegria do nascimento também maculará a alegria do novo nascimento. Jamais devemos igualar fertilidade a espiritualidade. Esse foi o velho erro das religiões cananeias. Deus levará alguns cristãos, talvez muitos, a não se casar, a fim de que, assim como o apóstolo Paulo e muitos dos grandes missionários da igreja, possam se dedicar totalmente ao serviço do evangelho. Outros se casarão, mas não serão abençoados com uma família grande, ou talvez nem sequer terão filhos. Ao mesmo tempo, porém, não devemos insistir que nossa visão acerca das crianças seja ditada mais por Provérbios que por publicitários ou economistas?
Há indícios de que, pelo menos de formas pequenas, o conceito cristão predominante sobre os filhos está começando a se reconectar com mais sabedoria antiga. Parte disso talvez esteja ligado ao lugar do cristianismo dentro da cultura ocidental. Com frequência, a geração anterior de cristãos buscava desesperadamente não se sentir “esquisitos” diante da cultura como um todo, a fim de ganhar a sociedade para Cristo. Assim, via-se grande ênfase no patriotismo do tipo “Deus e a nação”, bem como na “relevância cultural”, menosprezando alguns dos aspectos mais profundos da doutrina e espiritualidade cristã.
No entanto, é cada vez mais difícil não parecer “esquisito” dentro da cultura ocidental da atualidade simplesmente por defender os compromissos mais básicos da ética cristã. Se casar e permanecer casado já marginaliza os cristãos de seus pares, adotar um ponto de vista diferente acerca dos filhos não é um passo grande demais a ser dado. Se você já se encontra à margem do que a cultura à sua volta considera uma “boa vida”, talvez não seja tão estranho assim esperar para ter filhos depois do casamento e celebrar os filhos dentro do relacionamento conjugal.
Não temos garantia de que nossos filhos nos seguirão no evangelho. Não raro, Deus dá início a um novo crescimento, trazendo aquelas famílias que nunca conheceram o Senhor, enquanto outras que cresceram ouvindo o evangelho se afastam. Contudo, todos recebemos a ordem bíblica de fazer duas coisas ao mesmo tempo: partilhar o evangelho com todas as pessoas e reconhecer que esse evangelismo inclui criar os filhos no cuidado e na admoestação do Senhor.
Se perdermos isso de vista, nossas igrejas e famílias absorverão a mensagem de boa parte da cultura à nossa volta, uma mensagem que coloca o eu no centro e vê as crianças como um incômodo. O crescimento do cristianismo evangélico significa chamar os pecadores ao arrependimento e cuidar dos filhos. Nós defendemos o evangelho tanto na tenda do reavivamento quanto à mesa de jantar.
Comecei a idade adulta com muito medo de ter filhos. Eu sabia que eles custariam caro, mas ainda não fazia ideia do real preço, em termos de dinheiro, ansiedade e energia emocional. Também não conhecia a alegria proveniente de uma mãozinha agarrando a minha. Não conhecia a glória de batizar o próprio filho como irmão em Cristo. Não sabia que criar filhos era uma batalha espiritual e que essa batalha seria tão doce quanto dura.
As crianças, quer na família, quer na igreja, representam novidade de vida, a providência contínua de Deus para o futuro. É por isso que os poderes demoníacos atacam os filhos com tanta frequência (de faraó a Herodes, do tráfico sexual à indústria do aborto). Quando abrimos os braços para as crianças, compartilhamos a alegria do futuro. As crianças nos mostram a verdade de que o mundo tem um futuro, e a igreja também.
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Deus ainda tem mais a fazer pelos filhos de Adão e pelas filhas de Eva. Logo, podemos rejuvenescer, rir e brincar, vendo bem à nossa frente o sinal cheio de graça de que não somos o ápice da vida. Estamos construindo uma ponte para o futuro, e Deus também está ali. Nesse processo, porém, acabamos ficando vulneráveis ao sofrimento. Isso acontece porque criar filhos, dentro da família ou da igreja, não é uma transação econômica.
Criar filhos é um sacrifício vivo de amor incondicional. Abençoamos nossos filhos não quando colocamos sobre eles o peso de uma expectativa que nem nós seríamos capazes de carregar, nem quando os deixamos encontrar o próprio caminho em meio aos espinhos da vida. Abençoamos nossos filhos quando somos exemplos de maturidade e infância ao mesmo tempo.
Abençoamos nossos filhos quando cumprimos nossas promessas da melhor maneira que pudermos, mas também ao estender perdão a eles, perdoando uns aos outros e a nós mesmos. E abençoamos o futuro ao mostrar que o amor é maior que o poder, que o choro de um bebê traz mais esperança que a sirene de um exército. Isso acontece porque a cruz é mais poderosa que a multidão.
Uma criança pode nos mostrar que a graça é melhor que a vontade, o futuro é melhor que o passado, e Cristo é melhor que o eu. Uma criança pode nos mostrar que entramos no reino não como vitoriosos conquistadores, mas como bebês recém-nascidos. Isso porque não chegamos ao reino por nossos sucessos, mas pela obediência de outro. Jamais mereceríamos esse acesso. Só podemos aceitá-lo.
Frederick Buechner perguntou: “Que homem e mulher, se analisassem seriamente o que inevitavelmente envolve ter filhos, algum dia os teriam?”. Buechner imaginou como seria desejar que a dor associada a alguém que amamos desaparecesse como mágica. Mas isso não foi possível, “pois a dor é parte tão integrante do amor que o amor seria vastamente diminuído e se tornaria irreconhecível sem ela”. De fato, o amor pelos filhos sem dor seria tão irreconhecível quanto o Cristo ressurreto sem as marcas dos cravos.
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