A racionalidade é oposta à fé? Confira a quinta parte da entrevista especial com Gustavo Assi, secretário executivo da Associação Brasileira de Cristãos na Ciência – ABC²
Mundo Cristão: A racionalidade é oposta à fé?
Se continuarmos na mesma linha de raciocínio da última pergunta, só podemos concluir que a racionalidade não é oposta à fé. Usar a razão, ou o raciocínio lógico, é necessário para que possamos estruturar a nossa fé. Ora, Pedro disse que nós precisamos estar sempre preparados para responder com mansidão e temor a qualquer que nos pedir da razão da esperança que há em nós (1Pe 3.15).
Nós não vamos obter fé através do nosso próprio raciocínio lógico, como se ela fosse um corolário do nosso progresso lógico ou filosófico. Não! A fé não vem por esse caminho. Engana-se quem acha que pode partir do nada e, sozinho, desenvolver a fé. A fé é dom que Deus implanta no coração do crente, convocando-o para que seja seu filho novamente. A fé uma vez implantada no coração, permeia todo o ser do crente, inclusive a sua racionalidade. Portanto, a razão não é inimiga da fé. Ela enriquece, complementa e amadurece a fé. A razão não pode gerar fé por si só, porque o nascimento da fé vem de um dom de Deus, para que ninguém se glorie e diga que a tem por méritos próprios, muito menos por raciocínio lógico (Ef 2.8).
Não preciso dizer que a razão é amiga da ciência, porque o empreendimento científico é um empreendimento humano que trata dos fenômenos do mundo natural e observável. O homem não precisa ter fé para descobrir as leis da biologia, o comportamento da matéria e da energia. Todo ser humano tem acesso a essas informações se fizer boa ciência, como fruto da graça comum do Criador. Agora, dizer que o raciocínio lógico e a razão pertencem exclusivamente ao campo da ciência e não podem pertencer ao campo de fé é postura dos ateus, porque eles não entendem como se desenvolve a fé. Para eles, a fé é uma coisa irracional, que o crente acredita a despeito de qualquer evidência. Mas, na verdade, não é assim.
A fé é um convencimento espiritual seguido de um desenvolvimento racional no qual, depois que o crente é convencido, tudo faz sentido e tudo se encaixa. É o que a gente chama de “visão desembaçada”. Dessa forma, a razão não é inimiga da fé, mas não é unicamente amiga da ciência. Ciência é feita com raciocínio lógico, sim, é um empreendimento humano debaixo da graça comum de Deus. Agora, não é exclusividade do cientista usar o raciocínio lógico. A razão também é muito necessária para estruturarmos e darmos a razão da nossa fé.
Quais são os principais erros cometidos por algumas pessoas de fé que descartam completamente a ciência como algo importante para a compreensão do mundo e dos fenômenos que nele ocorrem?
As pessoas de fé, aqueles que tiveram a fé plantada sobrenaturalmente em seu coração pelo Espírito, cometem um erro quando descartam as descobertas do mundo natural feitas pelo método científico ou pelo exercício da ciência. Por que isso é um erro? Porque como ilustrei anteriormente, nesta entrevista especial, eles estão partindo de um pressuposto de que o mundo natural, a criação, não pode revelar verdade nenhuma, ou, em última instância, não pode comunicar nada do que foi feito por Deus.
Ora, se toda verdade é verdade de Deus, descoberta pelo ímpio ou pelo crente, quando nós descobrimos alguma coisa verdadeira do mundo natural, quer seja, por exemplo, o efeito da gravidade que atrai duas massas, a carga elétrica em um elétron ou qualquer outra coisa que descubramos através do mundo natural, nós estamos descobrindo uma verdade, e essa verdade pertence a Deus pois foi ele quem a criou! O que eu quero dizer com isso é o seguinte: não importa o caminho, a descoberta é genuína e ela nos revela alguma coisa do mundo criado por Deus. Portanto, se o mundo foi criado por Deus (e eu creio nisso pela fé), as verdades nele contidas pertencem ao próprio Deus.
O método científico, o exercício da ciência, a forma como nós descobrimos as coisas do mundo natural, não tem uma agenda, ou uma cosmovisão intrínseca. Quem tem agenda é o cientista, aquele que faz a descoberta, e não o método de se fazer a descoberta. Eu não posso dizer que se eu fizer ciência vou descobrir fenômenos ou teses anticristãos, isso não faz sentido nenhum.
Quando eu descubro uma verdade, ela é verdade de Deus descoberta tanto pelo ateu quanto pelo crente. Então, o método em si não é o problema. O problema, é claro, está no coração do cientista que usa o método, tira conclusões e lhes atribui valor dentro de sua cosmovisão. Aí há um problema para o crente que não entendeu direito a sua cosmovisão cristã. O crente cabeça fechada, que acha que a fé só se desenvolve no mundo espiritual e que o mundo natural é um estorvo que não tem capacidade de informar nada verdadeiro, não está enxergando o mundo com as lentes de Cristo, porque o próprio Deus que criou todas as coisas criou também as verdades reveladas na natureza, que podem ser descobertas pela ciência. Não dá para separar a esfera natural da sobrenatural e dizer que eu somente habito nas verdades sobrenaturais e ignoro as verdades naturais. O crente que despreza ou descarta a possibilidade de a ciência descobrir verdades no mundo natural não reconhece que o mundo natural é obra do Deus Criador e, portanto, cheio de verdades; não reconhece que o Deus Criador deu ao homem o mandato de cultivar esse mundo, descobri-lo e desfrutá-lo.
Quando fazemos ciência, estamos exercendo o nosso governo dado por Deus sobre o mundo natural. O crente que despreza as verdades da ciência não reconhece que o mundo criado pode ser acessado por uma ferramenta dada por Deus através da inteligência humana. Deus capacitou o homem, deu a ele habilidade para descobrir as coisas do cosmos. Deus fez o homem com inteligência e o mundo criado inteligível, capaz de ser entendido. Isso é muito interessante e importante, porque nós não só conseguimos construir teorias científicas que explicam a realidade criada, mas nós entendemos essas teorias, e elas têm poder preditivo enorme.
Erra o cristão que descarta a ciência como ferramenta que Deus nos deu, como um empreendimento humano capaz de acessar verdades no mundo natural. Essas verdades em última instância sempre glorificam a Deus (Rm 1.20).
Por outro lado, de que forma erram os cientistas que rejeitam totalmente a fé?
Existe um erro naqueles cientistas que desprezam a fé. Mas aí o ponto não está no fato de a pessoa ser um cientista. O ponto está no fato de a pessoa desconhecer a Deus. Aquele que despreza a fé não o faz com base na ciência nem em descobertas científicas. Isso tem de ficar muito claro tanto para a igreja quanto para os que estão fora dela. Quando o ateu usa verdades científicas para afirmar que Deus não existe ou para justificar o seu ateísmo, ele o faz de forma infundada. Ele está dando um tiro no pé da sua própria ciência, porque está dizendo que a ciência, a investigação do mundo natural, consegue tirar conclusões que pertencem à esfera sobrenatural.
O ateu já tem uma predisposição, uma visão de mundo que pressupõe que Deus não exista. Logo, qualquer descoberta científica para ele será articulada com o objetivo de justificar que Deus não existe. Usar a ciência para atacar a fé é um erro de campo, de esferas, quem faz isso está misturando laranja com banana. Tal pessoa não entendeu as limitações da sua ciência, que não pode nem consegue acessar o mundo sobrenatural. De igual modo, a fé não é acessada pelo método científico, mas é revelada por Deus nas Escrituras e surge como um dom no coração daquele que foi iluminado pelo Espírito Santo. A ciência se limita ao que é natural, ao mundo físico, analisável, ela não pode fazer conclusões acerca do que é sobrenatural, ao que pertence à esfera da fé, ao que foge do limite humano. •
Fique por dentro!
Na sexta e última parte da entrevista especial, Gustavo Assi fala sobre a relação entre cosmovisão bíblica e vida acadêmica e deixa uma mensagem de encorajamento a todos os leitores que desejam ingressar no fascinante mundo da ciência. Não perca!