Skip to content Skip to footer

“Espiritualidade e silêncio”, entrevista com Osmar Ludovico

Saiba mais sobre esse interessante assunto em nossa entrevista com o autor dos livros Inspiratio e Meditatio

Em um mundo cada vez mais conectado, apressado, ruidoso e estressado, o silêncio parece ser um estado cada vez mais difícil de encontrar. Em virtude das muitas demandas da sociedade moderna, não são poucas as pessoas que se sentem desconectadas de si e de Deus, cansadas física e mentalmente. De que maneira diminuir o ritmo e lidar de maneira mais consciente com a dinâmica do século 21 pode nos ajudar a encontrar mais qualidade de vida e a investir em momentos inspiradores de comunhão com Deus durante a jornada?

Para falar sobre isso conversamos com o pastor Osmar Ludovico, autor de Inspiratio e Meditatio, publicações da Mundo Cristão. Com mais de trinta anos dedicados ao ministério, Osmar pastoreou as Comunidades de Jesus em São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba, estudou no seminário Palavra da Vida, em Atibaia, e participou de cursos com John Stott, na Inglaterra, e com Hans Bürki, na Suíça. Atualmente, dirige cursos de espiritualidade, revisão de vida e seminários para casais, pastores e missionários no Brasil e no exterior.

Na entrevista, o autor fala sobre a importância da prática do silêncio na vivência da espiritualidade cristã, dá insights sobre como ela pode ser benéfica para o desenvolvimento integral do ser humano, elucida informações históricas e compartilha conselhos edificantes aos nossos leitores. Confira!

Mundo Cristão: O que é, de fato, o silêncio?

Osmar Ludovico: É diminuir o volume dos ruídos internos: as preocupações, a inquietação e a ansiedade, para ouvir mais profundamente Deus, nosso coração e o próximo. A agitação, a correria e o ativismo adoecem nossa vida espiritual, emocional e os nossos relacionamentos, pois nos impedem de ouvir, de perceber, de discernir.

Qual é a importância do silêncio no contexto da espiritualidade cristã?

É no silêncio e na solitude que podemos adentrar o mais profundo de nossa alma, aquele lugar que Jesus chama de “secreto” (Mt 6.6), para então perceber a nossa realidade mais íntima, quem realmente somos quando não estamos fazendo nada. É nas profundezas do coração humano que Deus habita. No silêncio e na solitude somos convidados a entrar confiadamente no lugar santíssimo (Hb 10.19) e, quebrantados, a permanecermos na presença de Deus que nos conhece e acolhe graciosamente. Ali, ele fala conosco através da sua Palavra e aguarda de nós uma resposta através da oração.

Praticar, estimular e buscar o silêncio pode ser benéfico para o desenvolvimento da espiritualidade?

A prática da espiritualidade não é uma forma, uma receita, um roteiro, um guia, não se pode fazer dela uma técnica religiosa; tampouco busca benefícios, não tem interesse em desenvolver nada, não tem qualquer perspectiva de ganho. A espiritualidade é fundamentada numa resposta ao amor de Deus que deseja estabelecer conosco um vínculo de afeto e intimidade para nos ensinar a amar como ele.

A Bíblia é a carta de um Deus apaixonado pela humanidade que o rejeitou. E nessa carta ele faz de tudo para atrair a nossa atenção até que nos rendamos ao seu amor e nos apaixonemos por ele.

Na metáfora de Cântico dos Cânticos, ele é o noivo fiel e puro, e nós a noiva maltrapilha, volúvel e adúltera. Um noivo que ama quem não merece, que não exige perfeição e que não desiste nunca. Ele espera que finalmente possamos como a Sulamita sussurrar no seu ouvido: “eu sou do meu amado e ele me deseja” (Ct 7.10, NVT). A espiritualidade não tem forma ou benefício, tem suspiros e poesia.

E para o desenvolvimento do ser humano integralmente?

Biologicamente, o silêncio e a solitude praticados frequentemente previnem as doenças laborais como o estresse e o burnout. Psicologicamente, a quietude nos coloca em contato conosco, faz com que nos conheçamos melhor e que percebamos quem realmente somos quando não estamos fazendo nada.

Espiritualmente, o silêncio nos conduz à nossa verdadeira identidade; não a partir daquilo que fazemos, realizamos, dizemos ou desempenhamos, mas daquilo que realmente somos: pecadores perdidos e sem mérito, pessoas que Deus fez filhos amados do seu coração. Só assim, silenciosos diante da face silenciosa de Deus, contemplativamente, desfrutaremos do seu amor que gera uma alegria indizível e uma paz que excede todo entendimento.

Historicamente, como o silêncio foi fomentado na igreja? Quais legados foram deixados como resultado disso?

O fato é que, durante os primeiros mil e quinhentos anos de História da Igreja, o Espírito Santo também soprou várias vezes. A Espiritualidade Clássica engloba a contribuição dos santos e doutores da igreja nos movimentos da Patrística, da Monástica e da Mística Medieval, isto é, o vento do Espírito anterior à Reforma.

Pelo fato de muitos considerarem erroneamente que da Igreja Romana não pode vir nada de bom, acabamos por rejeitar Pacômio, Antão, Bento, Macário, João Crisóstomo, Evágrio Pôntico, Gregório Nazianzeno, Gregório de Nissa, Bento de Núrsia, Hildegard Von Bingen, Bernardo de Claraval, Francisco de Assis, Catarina de Siena, João da Cruz, Tereza D’Ávila e muitos outros. 

Estou certo de que a leitura dos pais orientais, dos santos místicos e dos doutores do passado e a apreciação do exemplo de vida deles podem contribuir decisivamente para a Igreja do século 21. Evangélicos contemporâneos como Hans Bürki, James Houston, Eugene Peterson, Alister McGrath, Richard Foster e Ricardo Barbosa estão redescobrindo a riqueza da Espiritualidade Clássica, ao lado dos católicos Anselm Grün, Thomas Merton, Thomas Keating e Henry Nouwen e tantos outros.

 E hoje, o silêncio é uma prática ainda incentivada? Como o senhor enxerga o exercício do silêncio e o fomento da espiritualidade no atual cenário evangélico brasileiro?

Ao contrário, incentiva-se o barulho e a euforia. Há muito pouco espaço para o silêncio no culto e na vida pessoal dos crentes. Há uma ênfase enorme na oralidade, há muita fala e pouca escuta. Os discursos ultrapassam em muito a vida. Como disse Rubem Alves, existem muitos cursos de oratória e nenhum de escutatória.

Quais riscos correm as pessoas que não param e vivem constantemente em um ritmo frenético e exaustivo?

Os riscos são muitos. Tornamo-nos escravos da tecnologia, dos celulares, tablets e computadores. Sem tempo para parar e nos conhecer mais profundamente, somos facilmente manipulados, pois consumimos compulsivamente, sem autorreflexão. Consumimos produtos, imagens, notícias, redes sociais, relacionamentos, cultos e eventos sem desenvolver um olhar mais profundo para o seus significados e conteúdos.

Do ponto de vista relacional, quando não sabemos conviver conosco, tampouco saberemos conviver com os outros. O silêncio nos convida a sermos íntimos de Deus e de nós mesmos. A partir dessa intimidade que acontece no silêncio e na solitude é que saberemos construir vínculos de afeto e intimidade com o próximo.

Quais atitudes podem tomar aqueles que estão enfrentando dificuldades para diminuir o ritmo, mas querem mudar de estilo de vida e desfrutar mais quietude na mente e na alma?

É fundamental tomar consciência dos malefícios de uma vida desordenada, sem limites, baseada no desempenho e escrava de uma agenda vazia de afetos e significados. Deve-se perceber que nossa sociedade está viciada no ativismo e que, por isso, corre-se atrás do que é efêmero e urgente, mas que vai passar. É preciso que nos arrependamos diante de Deus, lançando sobre ele um grito de socorro para que nos salve de nós mesmos, das nossas compulsões em agradar pelo fazer e pelo ter.

Mudar o modelo mental e a maneira de viver demanda, de um lado, intencionalidade e disciplina, e, por outro lado, a presença discreta do Espírito Santo nos dirigindo e iluminando. O silêncio e a solitude vai tornando possível um vínculo de intimidade entre o humano e divino, uma intimidade que gera homens e mulheres mais parecidos com Jesus Cristo.

Quais práticas podem ser benéficas para quem deseja aprofundar a espiritualidade e encontrar uma nova dinâmica em seus momentos de leitura da Palavra de Deus, oração e louvor?

Não existe uma receita para a prática da presença de Deus. Existem pistas nas Escrituras e na vida dos santos, mas é uma dinâmica pessoal. Cada um vai encontrar o lugar, o horário, a frequência, a duração para um tempo separado para não fazer nada, para calar todas as outras vozes até que a voz de Deus se torne uma terna e bela melodia que ressoa em nosso coração e nos convida a conhecer seu amor intimamente, a experimentá-lo no coração e a irradiá-lo em nosso cotidiano num mundo conturbado.

Um conselho aos nossos leitores.

Compartilho o conselho de Jesus Cristo (Mt 6.6-8): Saia do público e deixe de lado a rotina do cotidiano; Entre num local fechado, onde ninguém sabe, ninguém vê, ninguém interrompe; Feche a porta e deixe do lado de fora as distrações, os estímulos e os apetites; Tome consciência de sua nudez diante do olhar amoroso de Deus; Permita que a sua oração seja gestada no profundo de sua alma; Faça uma oração curta, sem jargões, sem pedir nada; Comece então perceber a diferença entre e leitura bíblica e a oração que brotam de uma intimidade com Deus e não de uma produção mental para obter benefícios e impressionar as pessoas. •

Leia também:

Especial “Inspiratio”: Como desenvolver a espiritualidade?

Especial “Inspiratio”: A importância do diálogo respeitoso entre os cristãos

Conheça:

Convite à solitude

Deixe um comentário

Inscreva-se em nossa newsletter e receba informações sobre nossos lançamentos!