No livro “Como encontrei o Messias”, a teóloga, Jennifer M. Rosner, dedica-se a investigar as razões históricas da triste separação entre os judeus e os seguidores de Jesus
A seguir, você lerá a introdução do livro Como encontrei o Messias: Minha jornada pela identidade judaica do evangelho, escrito por Jennifer M. Rosner, um relato pessoal surpreendente, tanto para cristãos como para judeus.
Nascida em lar judaico, Jennifer Rosner descobre Jesus durante seus anos universitários e inicia uma fascinante jornada em busca da reconciliação entre suas origens judaicas e a boa notícia de que o Messias tão esperado já veio ao mundo.
Teóloga, Jennifer dedica-se a investigar as razões históricas da triste separação entre os judeus e os seguidores de Jesus, o que lhe cobra alta fatura tanto no âmbito acadêmico como na vida pessoal. Ainda assim, sua obstinação e clareza de propósito trazem nova luz a aspectos-chave da fé cristã, evidenciando poderosamente a maravilha do evangelho.
Ao final da introdução, você encontrará os links para compra da obra nos formatos impresso e digital. Boa leitura!
Introdução
Sobre ser monstruoso
“É monstruoso falar de Jesus e praticar o judaísmo”
Inácio de Antioquia
A Igreja Episcopal de São João é um edifício de arenito situado discretamente na equina das ruas Orange e Humphrey em New Haven, Connecticut, a seis quadras de meu apartamento. Desde a mudança para New Haven no ano anterior, havia visitado várias igrejas, mas nenhuma parecia ter a combinação de elementos que eu buscava.
Fiquei um tanto receosa de ir a essa igreja, pois vários de meus professores do Departamento de Teologia de Yale a frequentavam, e parecia estranho bater papo com eles “informalmente” enquanto comíamos bolo e tomávamos café depois dos cultos (e eu me perguntava se tinham lido minha monografia e se eu havia caracterizado com exatidão a teologia de Karl Rahner).
Visitei a Igreja de São João pela primeira vez perto do final de 2004. Foi minha primeira experiência com a tradição episcopal, e passei o culto inteiro tentando acompanhar o que
estava acontecendo. Levantar, sentar, livro vermelho, livro azul, ajoelhar, recitar respostas da congregação. Não saquei nada da fluência nem da ordem meticulosa da liturgia, e fiquei perplexa que alguém pudesse encontrar significado em um culto desse tipo.
Alguns anos antes, eu havia me tornado seguidora de Jesus em uma igreja do ministério Vineyard (o que, aliás, causou grande tumulto em minha família judia). Gostava do culto informal, dirigido pelo Espírito na Vineyard, e não consegui enxergar o valor da liturgia solene da igreja episcopal.
Felizmente, não desisti depois da primeira visita. Algo nas orações antigas (e nos bancos velhos e gastos) me atraiu de volta. Percebi, por instinto, que havia mais coisas a serem descobertas, além do que ficava evidente à primeira vista.
Aos poucos, apesar de meu desajeitamento litúrgico e da apreensão que persistia, a Igreja de São João se tornou minha comunidade de fé pelos dezoito meses seguintes. O ritmo do culto adquiriu profundo significado para mim, e os rituais repetidos a cada semana — a confissão do Credo Niceno, a grande Ação de Graças, a procissão até à frente, onde me ajoelhava para receber a Eucaristia — alimentaram minha alma naquele período em que a única coisa que parecia importar durante a semana era meu cérebro.
Ao olhar para trás, faz ainda mais sentido que eu tenha ido parar na Igreja de São João durante meu tempo em Yale. Não foi apenas porque, no animado salão social, meus professores aos poucos se tornaram seres humanos com cônjuge, prestações da casa própria e filhos travessos com dedos grudentos. Não foi apenas porque era possível caminhar até a igreja, uma prática pela qual desenvolvi grande apreço.
Hoje, percebo que, de uma forma estranha, o culto litúrgico, como aquele pelo qual me apaixonei na Igreja de São João, é a coisa mais próxima que o cristianismo tem do judaísmo tradicional. As orações impressas nas páginas de livros encadernados, os movimentos do corpo (ficar em pé, sentar, ajoelhar) e o consumo sacralizado de determinados alimentos, tudo isso era judaísmo despido de seu nome e apresentado com vestes cristãs.
Vejo agora que até mesmo meu desejo aparentemente trivial de caminhar até a igreja era um impulso inerentemente judaico. Para os judeus religiosos, não é aceitável ir de carro até outra região da cidade para participar daquela comunidade de adoração, pois ninguém pode dirigir no sábado. Cada um presta culto com os vizinhos e amigos na sinagoga local.
Claro que nenhuma dessas ligações fica evidente para quem não está à procura delas. O Jesus anunciado na Igreja de São João dificilmente se parecia com um rabino judeu que não teria comido vários dos alimentos servidos no almoço de Natal da igreja.
Em muitos aspectos, a Igreja de São João, como a maioria das outras igrejas no mundo, era, em grande medida, o cumprimento da invectiva profética de Inácio: “É monstruoso falar de Jesus Cristo e praticar o judaísmo”. A prática de algum tipo de judaísmo no ambiente inteiramente litúrgico da Igreja de São João talvez não chegasse a ser considerada “monstruosa”, mas certamente teria parecido estranha e deslocada.
A história revela, contudo, que nem sempre foi o caso e que esse desdobramento não foi, de maneira nenhuma, algo inevitável. Jesus era um rabino judeu, cuja vida era organizada em torno do calendário judaico, e não do calendário cristão. Além de ser o Salvador do mundo, ele celebrou a Páscoa judaica com seus discípulos, ensinou em sinagogas e usou o tzitzit (a veste tradicional com franjas prescrita em Números 15).
O que aconteceu? Como a igreja esqueceu que o Deus encarnado era judeu praticante? O que levou a identidade de Jesus como Messias de Israel, prometido de longa data, a se tornar um conceito indistinto no pensamento cristão? Por que as práticas gravadas na vida de Jesus (coisas como o sábado, a peregrinação a Jerusalém e a batalha contra as forças da impureza ritual) se tornaram meras excentricidades na fé e devoção cristãs?
Como essas questões, tão importantes na igreja primitiva (comunhão à mesa entre judeus e gentios, o papel da circuncisão e a fidelidade aos mandamentos registrados na Torá, entre outras coisas), passaram a ser tangentes consideradas tabus na vida cristã moderna? Como as práticas encarnadas de uma fé viva, que ocupam o cerne da vida judaica, se perderam, em sua maior parte, no discipulado cristão contemporâneo? Em resumo, como foi que o cristianismo se afastou tanto do judaísmo?
Este livro é uma tentativa de sondar esse conjunto de temas e perguntas. Meu objetivo é fazer uma retrospectiva da história que acabou por declarar que judaísmo e cristianismo são duas tradições religiosas separadas (e, em sua maior parte, incompatíveis) e questionar as conclusões que, muitas vezes, são tiradas dessa história.
Escrevo principalmente para cristãos, talvez especialmente para líderes cristãos, que se encontram imersos nas tradições de suas igrejas, mas que têm curiosidade de saber o que um conhecimento maior do judaísmo poderia acrescentar à fé cristã. Em última análise, minha esperança é que este livro enriqueça as práticas espirituais do leitor e contribua para seu entendimento do fundamento inteiramente judaico do qual o cristianismo, em muitos aspectos, se distanciou.
Ao começarmos a refletir sobre o caráter absolutamente separado do judaísmo e do cristianismo, as palavras de Inácio nos dão uma indicação desse quebra-cabeça cujas peças se encontram escondidas nas dobras da história. Como o teólogo judeu messiânico Mark Kinzer destaca, os esforços de Inácio para traçar uma grossa linha preta entre cristãos e judeus são prova de que essa linha ainda não existia.
Antes, Inácio foi um daqueles que procurou, com sucesso, criar uma nova religião chamada cristianismo que, com o tempo, se desvincularia daquilo que era percebido como o desgastado e pesado jugo do judaísmo.
Para alguns como eu, porém, essa separação é uma grande tragédia. É o primeiro e mais profundo cisma da igreja. Uma consequência aflitiva desse cisma é o fato de que ele não deixa espaço para que os seguidores judeus de Jesus vivam como judeus, mas um problema ainda maior é que ele desfigura a verdadeira identidade da própria igreja.
Como Paulo lembra em Romanos 11, seguidores gentios (isto é, não judeus) de Jesus foram “enxertados” no relacionamento de aliança de Deus com Israel. A igreja se encontra unida ao povo já existente da aliança de Deus, e não é uma substituta desse povo, uma substituta isenta da lei e baseada na graça.
“Como Paulo lembra em Romanos 11, seguidores gentios (isto é, não judeus) de Jesus foram “enxertados” no relacionamento de aliança de Deus com Israel. A igreja se encontra unida ao povo já existente da aliança de Deus, e não é uma substituta desse povo, uma substituta isenta da lei e baseada na graça.”
Jennifer Rosner
Avancemos quase vinte anos depois de minha primeira visita à Igreja de São João. Hoje, considero-me judia messiânica, sou casada com um judeu messiânico e temos dois filhos pequenos. O ritmo de nossa vida é inequivocamente judaico. Observamos o Shabbat (sábado) semanal judaico, que começa na sexta-feira à noite e termina no sábado à noite.
Preparo challah, o pão trançado judaico tradicional, que comemos depois de recitar a hamotzi, a bênção judaica sobre o pão. Nas noites mais escuras de inverno, nossa casa é iluminada pela luz cintilante das velas de Hannukah. Nosso estômago ronca alto durante o jejum anual de Yom Kippur (o Dia da Expiação), e removemos de nossa casa todo o chametz (fermento) antes da Páscoa judaica.
Contudo, também cremos que Jesus (nós o chamamos por seu nome hebraico, Yeshua) era Deus encarnado e tirou os pecados do mundo. Lemos para nossos filhos narrativas dos Evangelhos e recitamos com eles o Pai Nosso e o Shema, a declaração central do judaísmo da singularidade de Deus.
Como outros seguidores judeus de Jesus, dedicamos nossa vida a abrir uma via entre as duas religiões que passaram aproximadamente dezesseis séculos se definindo em oposição uma à outra. Não é fácil flexibilizar os padrões profundamente arraigados da história. É um caminho solitário, e com frequência somos mal interpretados.
Para nós, porém, não há outra forma autêntica de vivenciar nossa fé. Como meu amigo Ben Ehrenfeld disse certa vez: “Pedir que eu escolha entre Jesus e o judaísmo é como pedir que eu escolha entre meu coração e meus pulmões”. Para nós, só existe o caminho intermediário, a terceira via que a história apagou.
Ao reinventar esse caminho, ao abri-lo novamente, tenho convicção de que redescobriremos nosso Senhor e Messias. Nas páginas a seguir, convido você a me acompanhar nessa jornada.