“É Jesus Cristo que nos convida a fechar a porta e entrar no secreto”, Osmar Ludovico
Convidamos autores e líderes da igreja evangélica brasileira para uma série intitulada “retorno ao básico”, com o objetivo de abordar temas centrais da fé cristã, como um convite a retomar as práticas espirituais que sustentam, direcionam e edificam. Por meio dos artigos da série, queremos chamar a atenção do leitor para o que é basilar e dá vigor à caminhada, alimenta a espiritualidade e nos aproxima de Deus, ao que é e deve ser simples.
No artigo a seguir, Osmar Ludovico, autor dos livros Inspiratio e Meditatio, pastor e organizador de cursos de espiritualidade, revisão de vida e de seminários para casais, pastores e missionários, aborda a importância do descanso e da meditação na vida cristã. No texto, Osmar convida o leitor a rever seu estilo de vida e resgata a prática da Lectio Divina, uma antiga metodologia de leitura bíblica e oração meditativa que está sendo redescoberta pela igreja evangélica.
Descanso e meditação
Por Osmar Ludovico
A vida urbana se caracteriza pela falta de tempo. Os muitos compromissos, as demandas da família, o trânsito, o trabalho, a igreja… Vivemos na correria e estamos todos muito cansados e sem tempo. Aguardamos o fim de semana, o feriado e as férias, na expectativa de poder parar e descansar. Participamos de retiros, vamos para a praia ou para o campo, buscamos momentos e lugares para espairecer.
No entanto, não é necessário ir muito longe ou ter muito tempo para descansar. Em todo lugar e em todo tempo podemos parar, sair da agitação e da dispersão, e entrar no silêncio e meditar, pois temos sempre a possibilidade de nos retirar e adentrar o nosso coração. Em lugar algum o ser humano pode encontrar um espaço mais tranquilo, calmo e acolhedor do que seu próprio coração.
O verdadeiro descanso não está fora de nós, mas dentro; não está nos mais altos céus para onde eu tenho que subir, mas no recôndito, no íntimo, no fundo da alma, ali onde está o meu verdadeiro eu e a presença amorosa de Deus.
Parece simples. Tudo de que necessitamos é um pequeno espaço de tempo e um lugar sem distrações e estímulos, para descer ao nosso coração. É Jesus Cristo que nos convida a fechar a porta e entrar no secreto. Sair do público, sair da agitação quotidiana, desapegar-se da conversa, das redes sociais. Fechar a porta, deixando do lado de fora a ansiedade pelo amanhã, as preocupações. Entrar no quarto do nosso coração, ali onde Deus habita, para estar silenciosamente diante da Presença Silenciosa e Amorosa.
Parece simples, mas somos tomados de inúmeros pensamentos, imagens, emoções, ideias, coisas para fazer. Tomamos consciência da nossa agitação, para então nos perguntarmos por que é tão difícil descer mais profundamente, além da agitação, e entrar nesse lugar secreto, onde somos amados como somos, onde podemos encontrar a verdadeira paz interior.
A multiplicação dos meios de comunicação e das redes sociais nos obriga a estar permanentemente conectados, gera agitação, dispersão e uma enorme dificuldade de manter-nos inteiros e presentes. Tornamo-nos cada vez mais fragmentados e ocupados com muitas coisas ao mesmo tempo. A prática da oração meditativa pode nos devolver a serenidade, a paz, a tranquilidade.
Meditação
Podemos associar a fé cristã com a meditação?
Durante muito tempo, aprendemos que associar a fé com os dogmas, com a obrigação de confessar uma reta doutrina. Assim, todo Ocidente se privou da prática meditativa presente nas Escrituras e na História da Igreja nos seus primeiros mil anos no Oriente.
O Salmista nos fala de “morar na casa do Senhor, para contemplar a beleza do Senhor e meditar em seu templo”, e o profeta fala “assim diz o Senhor: em vos converterdes e em sossegardes está a vossa salvação; na tranquilidade e na confiança, a vossa força (ARA)”. Jesus Cristo, antes de começar seu ministério, se retira para o deserto, lugar de solitude e silêncio, e ainda busca no jardim e na montanha ambientes longe da agitação e das multidões, para orar e se refazer.
No século III, quando o imperador romano Constantino se converteu, a igreja saiu da clandestinidade e foi para os palácios e templos pagãos transformados em igreja. Nesse momento, um grupo de homens se retirou para lugares desertos para orar e ler a Bíblia e deu origem ao movimento dos Pais do Deserto, que se tornou depois a monástica. Deixaram um legado de fé e santidade através dos séculos, além de vasta literatura.
Reformados como Hans Burki, James Houston, Eugene Peterson, Alister McGrath, Richard Foster e Ricardo Barbosa estão redescobrindo a riqueza da Espiritualidade Clássica como contribuições vitais para a igreja de hoje. Católicos contemporâneos também buscam resgatar essa tradição: Henri Nouwen, Anselm Grün, Thomas Merton e outros.
A Lectio Divina, um método simples de leitura bíblica e oração meditativa, está se tornando uma prática devocional conhecida dos evangélicos. Também conhecida como Leitura Orante das Escrituras, ou Meditação Cristã, a Lectio Divina é uma disciplina espiritual que pode ser praticada individualmente ou comunitariamente.
Como praticar a Lectio Divina?
É bem simples.
Um primeiro momento de preparação em silêncio: corpo relaxado, mente aquietada, alma apaziguada e espírito receptivo. Tudo para criar um espaço de escuta mais profundo.
O segundo momento é a leitura de um texto bíblico, de preferência curto. Saborear cada palavra, Palavra de Deus, que ama e quer falar e estar próximo de nós.
O terceiro momento é a meditação. Isto é, deixar o texto bíblico falar por si mesmo, ouvir com o coração, aplicar-se com a razão, deixando também que os sentimentos se manifestem.
O quarto momento é a oração, de preferência por escrito, é uma resposta do coração ao que Deus falou. Ele tomou a iniciativa de se revelar, agora respondemos ao que ouvimos. Pode ser um louvor, uma ação de graças, uma consagração, uma confissão, uma lamentação ou uma súplica.
Uma vida devocional regular através da prática da Lectio Divina gera intimidade com Deus e, como consequência, traz saúde física, equilíbrio emocional e maturidade espiritual.
Osmar Ludovico pastoreou, nos últimos trinta anos, as Comunidades de Jesus em São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba. Estudou no seminário Palavra da Vida, em Atibaia, e participou de cursos com John Stott, na Inglaterra, e com Hans Bürki, na Suíça. Atualmente dirige cursos de espiritualidade, revisão de vida e seminários para casais, pastores e missionários no Brasil e no exterior. É casado com Isabelle, pai de Priscila e Jonathan. Pela Mundo Cristão, lançou os livros Inspiratio e Meditatio.
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